domingo, 29 de novembro de 2009

Resenha de NOËL, Dirk. Diachronic construction grammar vs. grammaticalization theory.2006.

Resumo

Embora construções gramaticais pressuponham gramaticalização, os dois fenômenos devem ser considerados separadamente haja vista que além da alteração de construções existentes, também podem surgir construções primárias.

1. Introdução

A Gramática Funcional, anteriormente posicionava-se apenas contrária aos postulados da Gramatica Gerativa, já que seria um equívoco sustentar uma teoria que subestima o falante: a língua "ideal" de Chomsky é considerada pelo Funcionalismo como ingênua, artificial e ineficiente diante da rela produção linguística. Atualmente, destacam-se nos estudos funcionalistas as questões relacionadas à Gramática das Construções (CG) e à Teoria de Gramaticalização (GT), abordagens, muitas vezes, consideradas sinônimas. Preferir-se-á, referenciá-las de modo a se complementarem. Para Bybee (2003), o processo de gramaticalização deve ser entendida como a "criação de novas construções", desse modo a GT desse se preocupar "como as línguas adquirem gramáticas". Se unirmos as duas citações podemos perguntar "como as línguas adquirem construções".

2. Construções em Teoria de Gramaticalização

Grosso modo, construções são unidades maiores do que palavras. Apesar de que estas também sejam construções gramaticais são atômicas e aquelas complexas, isto é, multimorfêmicas. Em Traugott (2003), gramaticalização e "o processo pelo qual o material lexical em pragmática e contextos morfossintáticos específicos adquire função gramatical e, uma vez gramatical, alcança a função de operador." Esse "material lexical" é antes "uma construção com itens lexicais" em vez de simplesmente um "item lexical". Desse modo, fala-se em "esquema de construção", como exemplificado em Bybee(2003):

[[verbo + movimento progressivo] cláusula finalidade +( infinitivo)]

[[Estou indo] para (ver)] o rei.


[[Estou viajando] para (ver)] o rei.

[[Estou cavalgando] para (ver)] o rei.

Observe-se, nesse caso, a gramaticalização do verbo "indo", empregado em forma de gerúndio por analogia com outros verbos nessa estrutura, seguida pela rotinização.Considere-se a importância do contexto sintagmático em que ocorreu o fenômeno, ou seja, considera-se um "esquema de construção" e não apenas itens lexicais isolados. Bybee (2003) acrescenta que a GT pode incluir o estudo de padrões de ordenação argumental linguística. Essa consideração referente á ordem dos termos vai evocar questionamentos quanto a passagem de item livre para fixo e vice-versa. Hoffman (2004), considera gramaticalização como estabelecimento de esquemas de construção cujas lacunas podem ser preenchidas com apropriados itens lexicais. Em relação a esse posicionamento, Noël (2005) discorda de Hoffman ao separar o surgimento de construções esquemáticas e a gramaticalização.

3. Gramaticalização na Gramática de Construção

Em Gramática de Construção, itens lexicais são parte da Gramática, palavras são construções.Em Tomasello (2003), construções linguísticas são símbolos linguísticos em conjunto cujo significado decorre, em parte, dos símbolos individuais. Esse processo histórico é chamado gramaticalização ou sintaticização. Para esse teórico, itens lexicais e construções surgem, evoluem, acumulam modificações ao longo do tempo.Não significa que sequências de palavras fundem-se numa única estrutura morfológica, mas que haverá uma nova organização sintática. Em Croft (2001),o processo de gramaticalização envolve três etapas: inicialmente, uma construção adquire uma nova função; numa etapa intermediária, essa nova função é convencionada de modo a se desvincular da função que lhe deu origem; numa etapa final, a nova construção sofre mudanças gramaticais, a saber, sintáticas, morfológicas fonológicas. Heine (2003), listam-se mecanismos envolvidos no processo de gramaticalização concebidos como micromudanças inseridas em macromudanças: i dessemantização ou redução semântica; ii extensão ou uso em novos contextos; iii descategorização ou passagem de forma livre a forma fixa e vice-versa; iv erosão ou redução fonética.Traugott(1982), assim como Halliday (1976) distingue os componentes proposicional, interpessoal e textual. Nesse âmbito, as mudanças ocorreriam de uma dimensão menos pessoal para mais pessoal em decorrência de fatores pragmáticos, por exemplo, a passagem da preposição "até" espacial para "até" temporal. Esse processo é tido como subjetivo, abstrato, polissêmico. Para Israel (1996), variados usos idiomáticos ganham gradualmente força produtiva e esquemas cada vez mais abstratos podem ser extraídos. Para Langacker (1990), é o processo segundo o qual itens gramaticais evoluíram a partir de fontes lexicais a partir de um movimento ao longo de um continuum, em vez de saltar de um componente para outro.

4. Construções argumentais e Gramaticalização

Ressalta-se a distinção entre gramaticalização e construcionalização como fenômenos em que ocorrem, respectivamente, mudanças morfológicas e sintáticas. Uma questão pertinente diz respeito a valência verbal, que, em certos casos sofreu mudança em seu padrão. Verbos dativos, relacionados a objetos indiretos passarem a se ligar a objetos diretos.Desse modo, o estudo de Gramaticalização envolve estrutura argumental. Tomasello (1998) considera que as construções de base transitiva pressupõe um sujeito que causa mudança de estado em um objeto como em "Ele quebrou o vaso." Ao longo do tempo, essas construções foram estendidas metaforicamente a outras situações menos prototípicas em que a dinâmica mudança de estado não é tão clara como em "Ele entrou no quarto." Comparem-se as frases: "Ele foi ao centro da cidade." e "Eu comprei livros no Rio de Janeiro.". Embora os termos destacados representam um lugar, diferenciam quanto à exigência junto ao verbo. A frase "Ele foi*" seria agramatical, portanto "ao centro da cidade" é um argumento do verbo "ir", mais especificamente, um objeto indireto; o que não ocorre com a frase "Eu comprei livros.", gramatical, que não exige o termo "no Rio de Janeiro", de valor circunstancial, não proposicional, considerado adjunto adverbial.

5. Observações finais

O objeto de estudo da Teoria da Gramaticalização (GT) refere-se, portanto, a mudanças semânticas e suas possíveis correlações formais. A Gramática das Construções (CG) refere-se ao modo como surgem e se tormam gramaticais as construções linguísticas. Nesse sentido, GT e CG são considerados estudos complementares. Considere-se que este tenha um alcance mais vasto do que aquele.Cabe à Gramática das Construções documentar como e quando novos padrões gramaticais instauram-se numa língua. Desse modo a Teoria da Gramaticalização é considerada de modo sincrônico e a Gramática das construções de modo diacrônico.







domingo, 8 de novembro de 2009


RESENHA de NEVES, Maria H. de M. Texto e Gramática. São Paulo: Contexto,2007.
(pág 118 a 122)


A RECATEGORIZAÇÃO

Se um objeto discursivo já foi categorizado, isto é nomeado, ele poderá ser recategorizado. A designação remissiva pode ser mais específica que a inicial como em "Existe mimetismo quando um
animal ou vegetal se parece com outro. É o caso de certas aranhas que se parecem com formigas; borboletas que se parecem com outras espécies de borboletas; vespas agressivas disfarçadas de moscas inofensivas." Poderá ocorrer o inverso, ou seja, a designação remissiva ser mais genérica do que a inicial como em "Quando chegava a safra dos pequis, eles se ausentavam até acabar a fruta." Esses processos de recategorização, respectivamente, nomeados hiperonímia e hiponímia ocorrem de maneira alternada no texto. Hiperônimos podem estar marcados positiva ou negativamente em termos de intensão (operação sobre a categorização inicial) como em "Por que matar Chistopher? Não bastaria cortar um dedo desse traidor?" A recategorização pode operar também o mecanismo de extensão por meio de ampliação, redução, fragmentação, condensação. Um caso clássico de ampliação é o uso de 3ª pessoa do plural com indeterminação como em "Saiu uma nota no jornal que é batata. Eles não dizem o nome, mas dão toda a ficha." Em relação ao processo de fragmentação podemos exemplificar com "O certo é que se deva continuar importando trigo considerado melhor que o nacional. Se formos transferir essa proposta, essa visão unilateral de qualidade para outros produtos, o Brasil teria de importar muitos outros itens." Percebe-se que, nesse caso, o objeto discursivo é "a importação de trigo". A expressão "proposta" indica o "modo de agir" e "visão unilateral de qualidade", o "modo de ver a situação". Apothéloz e Reichler-Béguelin(1995) denominam esse processo de "exploração da dimensão polimórfica do processo". A operação inversa, chamada fusão, reúne dois objetos discursivos como em "Força primordial, emanações benignas e malignas, faixas de radiação, magnetismo cósmico, esses troços. Em caso de anáfora, um episódio de pronominalização pode se referir à dimensão extratextual como em "É como se você tivesse um rádio e não soubesse que ele serve para sintonizar emissoras." Nesse caso, a designação "rádio" tem caráter específico, pertence ao interlocutor, mas a designação "ele" tem caráter generalizante, pertence a todos os rádios. Pronomes anafóricos representam recategorização implícita "em virtude se sua marca de gênero." (op cit) como em "A Catita fora posta pela mãe dormindo num trilho de Piau, mas o diabinho acordou e foi jogado pelo vento contra o barranco. Vieram entregá-la em nossa casa." A preferência pelo gênero feminino em "entregá-la" sugere uma categorização neutra, não avaliativa. Deve-se mencionar ainda a passagem a um nível metalinguístico, isto é, de sinonímia, em que "uma denominação em uso para a uma denominação em menção." (op cit) como em "Se surpreendeu ao ver onde era o Estádio da Portuguesa. Quando a gente ouve falar Canindé acha que é do outro lado do mundo." Além da metalinguagem, configura-se também o fenômeno da modalização pois "toda denominação indica um ponto de vista sobre o objeto designado." (Neves, 2007:117) Isso é percebido em "Ele disse que partirá amanhã pra São Paulo. Eu já previa essa chantagem.

(RE)CATEGORIZAÇÃO E MANIPULAÇÃO DO ENUNCIADO

(Re)categorização e avaliação

Tanto uma designação inicial como uma remissiva podem representar uma avaliação acerca do designado. Essa predicação avaliativa pode ser "disfórica" ou "eufórica", respectivamente, negativa ou positiva como se percebe nos exemplos a seguir: "É o doutor Bartolomeu quem quer fazer essa
barbaridade.", "Mande vir essa maravilha." Às vezes, os aspectos de disforia e euforia são marcados por adjetivos como em "É um belo acervo." Pode ocorrer também "denominação citada"(op cit) por meio da qual as denominações sugerem pontos de vista que não pertencem ao produtor dos enunciados como em "Ieltsin disse que Moscou havia sido durante bom tempo 'muito mole' em relação aos chechenos. Foi uma de suas poucas declarações conclusivas." A denominação citada em posição catafórica seria assim:"Leia essa miséria: 'Com a infeliz criancinha nos braços, Loredano estreitou a mão de Miguel num shake hands cúmplice, apontou para o crucifixo que empunhava na destra. E enquanto intimava 'jure por este!' com a mão esquerda acariciava o cabo do revólver." A recategorização porde representar um reforço de avaliação já ocorrida como em "Usava mascara de couro com furos para os olhos, boca e nariz. Mariana deu-lhe a bolsa que o bandido pegou rapidamente."

(Re)categorização e argumentação

O aspecto modal da linguagem está intimamente relacionado à eficiência argumentativa textual. A ocorrência de anáforas, por exemplo, com frequência apresentam direcionamento corroborativo acerca das denominações que o falante faz de um indivíduo ou de um estado de coisas. Nos exemplos a seguir percebem-se pontos de vista, respectivamente, favorável e contrário em relação ao objeto discursivo designado: "
Michael Jordan, entrou na quadra quase três horas antes do jogo. A Folha acompanhou durante uma semana o maior jogador de basquete da história.", "'Isso não é bom', disse o brigadeiro Sócrates Monteiro diante da mobilização nas ruas. O que não é bom é militares darem lições de civismo e política à sociedade." A categorização ou recategorização de objetos discursivos frequentemente coincidem com mudança paragrafal. É o caso de "sobremarcação da estrutura discursiva"(op cit) como no exemplo a seguir: "Fariam as pazes, mas as brigas recomeçariam adiante. Novas humilhações. Novos sofrimentos. A incompreensão de sempre. Essa era a situação: não podia mais permanecer ali. O que fizera de sua vida, era aquilo?"